Paraty é mágica. Talvez sejam os ares da arquitetura colonial com suas ruas de pedra e casarões, ou a beleza do mar e a Mata Atlântica no seu entorno.

Talvez o forte apelo turístico de um local que é Patrimônio Histórico da Humanidade, junto com os vários eventos que aqui acontecem, impactando o cotidiano de seus habitantes e a economia da cidade, como a FLIP – Feira Literária de Paraty, que a equipe Dica Evento acompanhou de perto.

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Fotografia: João Mantovani

A FLIP 2015, que neste ano homenageou Mario de Andrade, contou com 63 atividades oficiais espalhadas em 09 locais na cidade durante 5 dias, entre palcos com musica, tenda de debates com mais de 39 autores de diversos países, declamações, mesa de autógrafos, homenagens, ações de fomento à leitura, entre outras atividades que atraiu aproximadamente 30.000 pessoas.

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Fotografia: João Mantovani

Apesar de contar o orçamento mais baixo dos últimos 10 anos, a programação foi bem variada: além da programação principal, com tenda dos autores (850 lugares e 4 atividades por dia), havia a Casa da Cultura, o FlipZona (focada nos adolescentes) e Flipinha (para as crianças), além da OFF-FLIP, um circuito paralelo de eventos literários que ocorre no mesmo período. Alguns destes eventos eram gratuitos e outros pago e 14.900 ingressos foram vendidos

Conversamos com Joana Fernandes, coordenadora geral, e a inglesa Liz Calder, idealizadora do evento, que comentaram detalhes da organização do evento. Entender o conceito e Proposta da FLIP e como esse evento foi estruturado, é o que buscamos com nosso bate-papo com duas figuras importantíssimas.

as árvores dão frutos-livros e com o aconhego de tapetes, almofadas e monitores faz com a praça vire uma biblioteca muito agradável
as árvores dão frutos-livros e com o aconhego de tapetes, almofadas e monitores faz com a praça vire uma biblioteca muito agradável (Fotografia: João Mantovani)

Começamos com Liz Calder, uma octogenária com energia de criança, que nos recebeu na charmosa Pousada Do Ouro, no último dia do evento, as 11h00 da manhã após ter participado de 3 atividades, mas com um sorriso simpático e uma pontualidade digna de seu DNA britânico, mesclando português/inglês em suas respostas.

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Liz Calder, idealizadora da FLIP (Fotografia: João Mantovani)

Dica Evento: Por favor, defina-se.

Liz Calder: Você começou com uma pergunta difícil,hein? [risos]

Well, me diga você (um sorriso maroto, quase tímido). Sou uma mulher que já viveu muito tempo, mas tem muito a aprender. Estou fazendo sempre isso.

Você é uma inglesa que criou um dos maiores eventos literários da América latina, como se sente com isto? Como comparara a FLIP de 13 anos atrás e a de hoje?

Bem, fiz porque achava que o Brasil tinha potencial para isso e a cidade pedia algo do gênero.

Queria trazer a possibilidade de autores internacionais virem aqui, fazendo intercâmbio com os autores daqui, enriquecer este cenário e algo focado em leitura.

A FLIP hoje já é reconhecida, mas quero que mais e mais a imprensa internacional venha aqui, divulgue este evento mostrando pessoas que nasceram aqui, o que escrevem e como quem vem de outros lugares interage com este local. É um evento de celebração e educação, por isso não é festival e sim Festa Literária de Paraty. É para festejar, comemorar,

O que diferencia a FLIP de outros grandes eventos como Hay Festival, Bologna, Frankfurt, etc?

Bem, aqui queremos trazer autores e leitores para conhecer um pedaço do mundo que está discutindo literatura. Os outros são muito certinhos, muito “British“. (diz sorrindo de lado)

Quem você ainda não convidou e gostaria de ter na grade do evento?

Tanta gente interessante: Zadie Smith, Gloria Steinem, nessa linha mais feminista. Acho um tema bom para próximas mesas.

Como vê a FLIP no futuro?
Espero que ela seja mais internacional, que ajude as pessoas a entenderem o mundo.

O que é um bom livro?
É aquele que no primeiro parágrafo — no máximo na primeira folha — te entretém, te desafia, te instiga.

Qual livro você está lendo?

Vários, tentei ler pelo menos um de cada autor que veio na FLIP.

Após a entrevista com Liz Calder, vimos na porta da pousada dois vira-latas preguiçosos nas ruas de pedra. Ela me acena e diz: Veja. Até os cachorros de Paraty dariam uma estória! Esta cidade é pura literatura.

Após o término do evento, Joana Fernandes, coordenadora geral do evento, conversou conosco em meio a desmontagem e mesmo no pós evento contou tranquilamente um pouco da loucura, magia e alegria de estar a frente deste desafio de produzir este evento.

Dica Evento: como começou sua relação com a FLIP e nessa função de coordenadora geral?

Joana Fernandes: Trabalhei 8 anos na Cia das Letras, na área de marketing e eventos. Então, realizava as ações de eventos com autores.

Acredito que essa experiência na editora com eventos literários, inclusive vindo para a FLIP, me ajudou a ser convidada pelo pessoal da Casa Azul para me envolver na gestão. Aliás, de formação eu sou administradora, e essa base de planejamento me ajuda muito no que eu faço hoje.

Como é realizar um evento dessa magnitude, numa cidade pequena?

São vários fatores, mas um deles é a parceria entre a FLIP e os patrocinadores. Não é só uma relação comercial, mas, de todos construírem o evento.

E mesmo quem não é apoiador, mas que intervém com órgãos públicos, consulados, família de autores, ajuda muito. Faz muita diferença nós da organização mandarmos um email convite para um autor e um embaixador do país de origem do autor, ou de um presidente de instituto cultural o fizer. Os autores recebem de melhor maneira essa vinda ao nosso país.

Outra coisa importante é que esses autores não querem vir aqui somente para participar de uma mesa. Eles querem ficar mais tempo e por isso parcerias possibilitam atividades em outros locais. Não é nosso escopo, mas fazemos muitas intermediações, pois viabiliza a vinda de muitos escritores e também fomenta a literatura que é a Pós-FLIP. A FLIP acontece em Paraty, mas levar um pedacinho dela para outros locais é uma forma de perpetuá-la em outras praças.

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Joana Fernandes, coordenadora-geral da FLIP (Fotografia: João Mantovani)

O que é a FLIP para Paraty?

Bom, a FLIP é a cara de Paraty. Temos a preocupação de utilizarmos a arquitetura, explorar os espaços de igrejas, Centro de Cultura, trazer artistas locais e queremos propiciar uma experiência de arte, patrimônio, cultura.

A cidade não comporta que a FLIP cresça mais: já chegamos a 100% da capacidade hoteleira em outros anos. Por isso temos também pensado em formas das pessoas acompanharem a FLIP sem estar aqui, com transmissões na internet e TV. Foram 120.000 mil pessoas acompanhando on line em 2015.

Quanto tempo antes começa o planejamento do evento?

Em Outubro acontece a curadoria e a coordenadoria busca o que cada área precisa. Tento entender o todo de todos os envolvidos, para auxiliar da melhor maneira. Digo que não faço nada, os outros fazem, mas faço a costura.

Autores confirmam em tempos diferentes, existe o setor de relações com autores [nota da reportagem: RP autores, vestidos de amarelo para facilitar a visualização dos participantes-escritores], tem o pessoal da produção geral e local, comunicação, arquitetura e design. Cada um sabe o que tem que fazer e aí tudo acontece.

Temos escritório aqui em Paraty e também em São Paulo.

Com é esse organograma todo, como fica a questão da capacitação de staff local?

Paraty, tá mudando, até o Pronatec veio para cá. Por ser projeto da Casa Azul, que é uma entidade local, fica forte a presença de pessoas envolvidas e houve um projeto de Turismo Cultural dessa OSCIP. O objetivo é trazer um turismo qualificado e a FLIP colabora com isso.

E depois da FLIP, outros eventos surgiram como Paraty in Foco, Bourbon Jazz e outros, e essas pessoas continuam atuando de alguma forma. Fomos os pioneiros, mas não os únicos.

FLIP é polo do mercado literário brasileiro e recebe entidades de outras cidades que querem fazer benchmarking, além de utilizar a FLIP como forma de lançar outros eventos literários no Brasil e outros países.

Percebemos que há pouca ativação dos patrocinadores, isso é uma limitação indicada por vocês?

Isso é uma característica da FLIP, e é nossa preocupação manter essa magia, este conteúdo e temos regras, não queremos promotoras desfilando e panfletando pelos ruas de pedra, isso não é o objetivo de um evento literário, de discussão, e todos os parceiros tem entendido isso e não criam ações que possa ser consideradas ruído com a proposta do evento.

O Itaú com as bicicletas tem tudo haver com a questão do urbanismo numa cidade que faz parte patrimônio histórico e pede que não se use de carros, e também trouxeram parte da exposição Brasilianas. A cultura é o principal valor neste evento

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Fotografia: João Mantovani

Roberto Saviano, o autor italiano jurado de morte pela máfia italiana, era o mais esperado para o evento, que cancelou sua vinda na mesma semana, devido à segurança. Como isso foi orquestrado? A imprensa disse que vocês já sabiam disso antes.

São 150 convidados, é claro que acontece um “no show”.

Mas a situação dele é uma questão muito midiática. Mas já tivemos autores que eram de países com problemas políticos e não vieram. Não tem plano B com curadoria, mas o curador acertou muito bem que convidou autores mexicanos que discutiam a mesma temática de violência/cidades, mantendo uma mesma linha de interesse.

As pessoas têm expectativa com temas e não só com os autores.

Qual sua maior “saia justa” no evento?

Por definição evento é imprevisto. É autor que cancela, manifestação[1], luz que acaba… mas o segredo é ter uma boa equipe.

Eles têm energia boa, as pessoas se reencontram no evento. É uma engrenagem e todo mundo muito integrado. Aí fica mais fácil lidar com os imprevistos.

O que mais te emocionou na FLIP?

O encerramento sempre emociona, pois é o gran finale. Até conseguimos fazer uma foto com quase todos os convidados este ano, foi demais.

Já estamos na 13a versão e queremos nos reencontrar. Na bilheteria tem uma cachorra que ganha uma casinha e fica o tempo todo lá é a Lola Maria, faz parte da ProduCão. Somos uma grande Família.

Como diria a desconhecida autora portuguesa Matilde Campilho, que mais vendeu livros na FLIP: “A poesia não salva o mundo, mas salva um minuto”. Acreditamos que a FLIP se propõe a instigar as pessoas à refletirem sobre as coisas através da literatura acessível durante o evento e pós-evento. E dá muito certo porque tem profissionalismo e carinho entre as equipes.

Qual livro você está lendo?

O Testamento de Maria, de Cólm Tóibín, que em 2013 foi finalista do Man Booker Prize, e Pétalas de Sangue de Ngũgĩ wa Thiong’o ,queniano indicado em 2010 ao Nobel de literatura

É importante notar que os patrocinadores e parceiros trabalham suavemente a ativação, refletindo a preocupação da organização de que o evento pareça um grande shopping (meeting design). Vimos ações como o jornal O GLOBO que criou a missão Mário de Andrade, refazendo a viagem que ele fez quase 80 anos anos, passando por 5 cidades e checando estes elementos da cultura popular que ele destacou na época e criando um ebook.

A Folha de São Paulo, jornal oficial do evento, além de cobrir e levar seus articuladores a alguns debates, tinha um espaço com conversa, distribuição de jornal, cafezinho e shows de MPB. E continua atuando no pós-FLIP, com sabatinas onde autores participam de bate-papos gratuitos em diferentes livrarias em São Paulo, tudo gratuito.

A Livraria da Travessa tem exclusividade no espaço do evento para venda de livros e estava sempre cheia.

No final, ficamos com a certeza que a FLIP mostra que vale a pena investir em turismo cultural. Que inspire outros grandes e mais empresas patrocinando cultura pelo Brasil.

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Casa Folha na FLIP 2015. (Fotografia: João Mantovani)

[1] = No sábado houve uma manifestação próxima à tenda dos autores, onde os moradores reclamavam sobre a violência local e do policiamento extra somente durante o evento, reclamando do esquecimento das autoridades para com a população pós evento.

Paraty, com seus 40.000 habitantes, aparece no Mapa da Violência 2015 como a segunda cidade mais violenta do Estado do Rio de Janeiro, atrás de Cabo Frio. Apesar de pequena, a cidade vive uma rixa entre grupos de traficantes de drogas instalados em dois bairros.

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